Por: Marco Moura e Souza - " Publicado no Valor Econômico"
Quando elegeram o professor de Direito Antonio Anastasia governador de Minas Gerais no ano passado, os mineiros não esperavam grandes mudanças. Ele já havia sido secretário de governo no primeiro mandato de Aécio Neves e, no segundo, vice, tendo assumido o governo nos seus últimos nove meses. Discreto, inteligente e dono de uma imagem mais acadêmica e administrativa do que a de articulador político, Anastasia faria, na cabeça de boa parte da população, um governo de continuidade, focado em resultados e eficiência e sem maiores sobressaltos. Seu primeiro ano de mandato, no entanto, rendeu a muitos eleitores surpresas incômodas.
Eles assistiram a uma longa e desgastante greve dos servidores da educação que arrastou o governo do Estado para um embate que custou 112 dias para ser equacionado. Para alguns analistas, o episódio revelou uma dose de ineficiência do novo governo em dialogar - apesar da cancha que Anastasia já havia adquirido em quase uma década no Executivo.Outra surpresa para muita gente foi com relação às contas do Estado. A dívida com a União passou a ser tratada como motivo de preocupação urgente e como um sério risco às contas públicas.
Um estudo realizado pelo Tribunal de Contas do Estado apontou que para honrar a dívida de R$ 57 bilhões que tem com a União até o prazo de 2038, Minas teria de reservar 16,8% da receita líquida real. Hoje, o governo usa 13% dessa receita. O porcentual, o máximo segundo a regra em vigor, é insuficiente para que a conta seja paga no prazo.
"Um aumento significaria sacrifícios de algumas políticas e investimentos porque o Estado teria de reservar uma fatia maior do Orçamento", diz o economista Fabrício de Oliveira, consultor do governo federal e organismos internacionais e que participou do estudo do TCE. "A questão da dívida surgiu como uma surpresa para muita gente e uma das razões de ela ter passado a ser discutida mais abertamente foi o estudo do tribunal", diz Oliveira. "O governo anterior nunca pareceu se preocupar muito com a questão. E o saneamento da dívida deveria ter estado no coração do choque de gestão."
Minas deve fechar o ano com uma arrecadação acima dos R$ 32 bilhões registrados no ano passado e com uma relação das despesas com o funcionalismo abaixo do nível prudencial. E embora a dívida supere em muito a receita, a relação está ainda um pouco abaixo do limite permitido. Mesmo assim o Estado teve de apertar o cinto este ano. Adiou, por exemplo, para o início de 2012 o pagamento do que chama de prêmio de produtividade aos servidores. Além de adiado, o pagamento será feito em duas vezes.
Tudo isso contribuiu para desgastar a imagem do governador, segundo analistas ouvidos pela reportagem -- embora nenhuma pesquisa sobre sua aprovação tenha sido divulgada. Eleito com 62,7% dos votos válidos, Anastasia não poderá tentar a reeleição em 2014 porque no início de 2010, meses antes das eleições, assumiu o governo para liberar Aécio à disputa pelo Senado.
"Anastasia assumiu como continuidade do governo e sabia-se qual seria o seu modelo de gestão: perfil técnico e marcado pela propaganda da eficiência", diz Carlos Ranulfo, professor
e ciência política da Universidade Federal de Minas Gerais. "Neste primeiro ano, não fez nada de novo. Houve muita propaganda e ele foi ajudado ainda pelo tratamento conferido ao governo pela imprensa local que dá muito pouco espaço para o contraditório."
O tucano governa com folgada maioria na Assembleia. Mesmo assim, segundo o líder do PT da Casa, o deputado estadual, Pompílio Canavez, a relação com o Legislativo não foi das melhores. "Foi um ano de baixa produtividade do Legislativo porque muitos dos temas que poderíamos ter apreciado, como modificações na administração do Estado, o governador resolveu por meio de leis delegadas." O líder tucano, o deputado Luiz Humberto, rebate assim: "Nunca vimos oposição tão ferrenha e que antecipa a eleição de 2014. E ao mesmo tempo, o governo nunca esteve tão presente na Casa, por meio de secretários que vieram discutir projetos fundamentais".
No primeiro semestre, o bloco de oposição que era formado pelo PT, PMDB, PRB e PCdoB ainda conseguia impor algum trabalho à bancada governista. Mas em agosto, o PMDB foi para o lado dos 'independentes', deixando Anastasia com a mesma tranquilidade legislativa da qual desfrutou Aécio.
Nos corredores do Palácio Tiradentes, sede do Executivo, no entanto, a atmosfera este ano não foi tão calma, segundo sociólogo e analista político Rudá Ricci. "Houve troca de guarda no alto escalão e alguns nomes que tinham muita influência no governo Aécio caíram na estrutura de poder", diz Ricci. Uma das afetadas pela suposta perda de prestígio interno teria sido Andrea Neves, irmã e braço de direito de Aécio durante seus mandatos. "Essas trocas desacomodaram muita gente e isso abriu brigas internas", diz Ricci. Os rumores de uma reforma iminente no secretariado estariam levando agitação extra à equipe.
Além de tourear acomodações, Anastasia que não é exatamente conhecido pela habilidade política, teve pela frente um ano de ajuste nas contas e de incertezas na economia. Alguns analistas dizem que ele acabou fechando seu primeiro ano com pouca exposição pública e sem uma grande marca de governo.
Seu plano de governo anunciado durante a campanha apresentava sete grandes áreas de ação. Muitas, como é praxe, genéricas. Sobre a primeira área, a gestão, o então candidato prometia, entre outras medidas, "planejamento regional e política de valorização dos servidores públicos"; na saúde, "melhoria da qualidade do atendimento básico à saúde e fortalecimento de hospitais regionais"; na educação, ampliação do ensino profissional e das escolas de tempo integral; na área de infraestrutura, a prioridade era asfaltar 7,6 mil km de estradas; na segurança, "a meta é a consolidação do modelo de gestão integrada das Polícias Civil, Militar e Corpo de Bombeiros".
Opositores e governistas se digladiam quando avaliam o andamento das propostas. Para os primeiros, tudo vai em marcha muito lenta; para os outros, as coisas avançam apesar do ano de desaceleração da economia.
No terceiro trimestre, a economia mineira cresceu apenas 0,3% em relação ao mesmo período de 2010. Segundo projeções da federação das indústrias do Estado, Minas fechará o ano com um crescimento de 2,6% e em 2012, de 2,8%.